sexta-feira, 5 de setembro de 2014

EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR SOB A PERSPECTIVA LEGAL. III


Outro encontro internacional de grande importância para a educação do
deficiente foi a Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº.
3.956/2001 reafirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e
liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo discriminação como:
(...) toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência,
antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou
percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou o
propósito de impedir ou anular o reconhecimento, o gozo ou exercício por
parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas
liberdades fundamentais.
Esse decreto tem importantes repercussões na educação, exigindo uma
reinterpretação da educação especial, compreendida no contexto da diferenciação
adotada para promover a eliminação das barreiras que impedem o acesso à
escolarização. Dessa forma não se pode impedir ou anular o direito à escolarização nas
turmas comuns do ensino regular, pois estaria configurando discriminação com base na
deficiência.
No ano de 2003, o Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Especial
implanta o programa de Educação Inclusiva: direito à diversidade; tendo como objetivo
transformar os sistemas de ensino em sistemas educacionais inclusivos, promovendo um
amplo processo de sensibilização e formação de gestores e educadores nos municípios
brasileiros para a garantia do direito do acesso de todos à escolarização, a promoção das
condições de acessibilidade e a organização do atendimento educacional especializado.
Em 2004, com base no Decreto nº. 3.956/2001, o Ministério Público Federal
publica o documento O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes
Comuns da Rede Regular, com o objetivo de divulgar os conceitos e diretrizes mundiais
da inclusão das pessoas com deficiência na área educacional, reafirmando o direito e os
benefícios da escolarização de alunos com e sem deficiência nas turmas comuns do
ensino regular.
O Decreto nº. 5.296/04 que regulamenta as leis nº. 10.048/00 e nº. 10.098/00
estabeleceu condições para a implementação de uma política nacional de acessibilidade,
trazendo conseqüências práticas que induzem a uma mudança de postura na sociedade
para a garantia da acessibilidade as pessoas com deficiência ou com mobilidade
reduzida.
Ainda em 2004, a OPS/OMS (Organização Panamericana
deSaúde e Organização Mundial de Saúde), se reuniu entre os dias 05 e 06 de
outubro de 2004, em Montreal, Canadá, e utilizou o termo deficiência intelectual e não
mais deficiência mental, declarando que:
Pessoas com Deficiência Intelectual, assim como outros seres
humanos, nascem livres e iguais em dignidade e direitos. A deficiência
intelectual, assim outras características humanas,
constitui parte integral da experiência e da diversidade humana. A
deficiência intelectual é entendida de maneira diferenciada pelas
diversas culturas o que faz com a comunidade internacional deva
reconhecer seus valores universais de dignidade, autodeterminação,
igualdade e justiça para todos. ’ Garantindo (...) para as pessoas com
deficiências intelectuais, assim como para as outras pessoas, o
exercício do direito à saúde requer a inclusão social, uma vida com
qualidade, acesso à educação inclusiva, acesso a um trabalho
remunerado e equiparado, e acesso aos serviços integrados da comunidade.
Dessa Conferência participaram pessoas com deficiências intelectuais e outras
deficiências, familiares, representantes de pessoas com deficiências intelectuais,
especialistas do campo das deficiências intelectuais, trabalhadores da
saúde e outros especialistas da área das deficiências, representantes
dos Estados, provedores e gerentes de serviços, ativistas de direitos,
legisladores e advogados.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela
ONU em 2006, da qual o Brasil é signatário, desloca a ideia da limitação presente na
pessoa para a sua interação com o ambiente, definindo no seu artigo 1º que:
Pessoas com deficiências são aquelas que têm impedimento de
natureza física, intelectual ou sensorial, os quais em interação com
diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade com as demais pessoas.
Ainda em 2006, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, o Ministério da
Educação, o Ministério da Justiça, e a UNESCO lançam o Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos, inserindo o Brasil na Década da Educação em Direitos Humanos
prevista no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos. O Plano define
ações para fomentar no currículo da educação básica as temáticas relativas às pessoas
com deficiência e para desenvolver ações afirmativas que possibilitem a inclusão.
No ano de 2007, o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial
apresenta o documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva propondo diretrizes que devem se traduzir em políticas educacionais
que produzam o deslocamento de ações e que possam atingir os diferentes níveis de
ensino, constituindo políticas públicas promotoras do amplo acesso à escolarização.
Com o objetivo de assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de
ensino para garantir ao aluno com deficiência o acesso com participação e
aprendizagem no ensino comum, a oferta de atendimento educacional especializado,
continuidade dos estudos e acesso a níveis mais elevados de ensino, promoção da
acessibilidade universal, transversalidade da modalidade educação especial desde a
educação infantil até a educação superior, e articulação intersetorial na implementação
das políticas públicas.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva versão preliminar de 2007 (PNEE/2008) promove uma mudança de
terminologia retomando o PNEE/1994 caracterizando as necessidades educativas
especiais como deficiências, transtornos globais do desenvolvimento (que substitui o
termo condutas típicas da referida lei) termo este usado na literatura médica,
superdotação /altas habilidades. Considera a Educação Especial como modalidade de
educação escolar, e como campo de conhecimento, buscando o entendimento do
processo educacional de alunos com deficiência e com altas habilidades. Presente em
todas as etapas dos níveis básico e superior de ensino, ela passa a ser complemento da
formação de alunos com deficiência, perdendo sua condição de substituir o ensino
comum, curricular em escolas e classes especiais. Substitui também o termo classes e
escolas especiais por salas de recursos multifuncionais nas escolas regulares e centros
de apoio. O atendimento exclusivo, individualizado de herança clínica, também se
configura nesta Política como trabalho colaborativo, com apoio extra turno
aos alunos.
Propõe também um currículo flexível e dinâmico e não uma adaptação curricular como
nas leis anteriores.
Nesse entendimento, a Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva
problematiza as práticas educacionais hegemônicas e passa a utilizar conceitos
interligados a diferença como possibilidade de compreender a relação e/outro na
constituição da identidade e subjetividade do sujeito. Tal concepção defende o
conhecimento e a convivência com a diferença como promotoras de uma ultrapassagem
das práticas rotuladoras, classificatórias da aprendizagem e dos preconceitos
historicamente construídos em relação à pessoa com deficiência. O que requer uma
revisão na definição e conceituação da função da escola, da concepção do
conhecimento, do ensino e da aprendizagem, uma vez que a nova concepção define as
ações educacionais que interferem diretamente no percurso escolar do aluno e na sua
constituição como sujeito. A Educação Especial, quando presente no ensino regular, de
acordo com essa nova concepção atinge necessariamente a escola comum em seus
fundamentos e práticas.
A visibilidade de um movimento pela inclusão se refere não apenas às pessoas
com deficiência, impulsiona a valorização da diversidade como um fator de qualidade
da educação, trazendo a tona a questão do direito de todos à educação e ao atendimento
às necessidades educacionais especiais dos alunos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, enfatizando o acesso, a
participação e a aprendizagem. Nessa visão, promover a participação e o respeito às
diferenças significa enriquecer o processo educacional, reconhecendo a importância do
desenvolvimento das potencialidades, saberes, atitudes e competências de todos os
alunos.
Stainback (1999) esclarece que:
‘em geral, os locais segregados, são prejudiciais, pois alienam os alunos. Os
alunos com deficiência recebem afinal, pouca educação útil para a vida real,
e os alunos sem deficiência experimentam fundamentalmente uma educação
que valoriza pouco a diversidade, a cooperação e o respeito por aqueles que
são diferentes. Em contraste, o ensino inclusivo proporciona às pessoas
com deficiência a oportunidade de adquirir habilidades para o trabalho e
para a vida em comunidade. Os alunos aprendem como atuar e interagir com
seus pares, no mundo ‘real’. Igualmente importante, seus pares e professores
também aprendem como agir e interagir com eles (STAINBACK, 1999,
p.25).
Sanchez, ao tratar da educação inclusiva afirma que esta visa apoiar as
qualidades e necessidades de cada um e de todos os alunos da escola. Enfatizando a
necessidade de se ‘pensar na heterogeneidade do alunado como uma questão normal do
grupo/classe e pôr em macha um delineamento educativo que permita aos docentes
utilizar os diferentes níveis instrumentais e atitudinais como recursos intrapessoais e
interpessoais que beneficiem todos os alunos. (SANCHEZ, 2005, p.12).
Neste contexto, a educação inclusiva constitui uma proposta educacional que
reconhece e garante o direito de todos os alunos de compartilhar um mesmo espaço
escolar, sem discriminação de qualquer natureza. Dessa forma, a educação especial é
entendida como um campo de conhecimento e uma modalidade transversal de ensino
que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades. Realizando o atendimento
educacional especializado e disponibilizando o conjunto de serviços, recursos e
estratégias específicas que favoreçam o processo de escolarização dos alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação
nas turmas comuns do ensino regular, e na sua interação no contexto educacional,
familiar, social e cultural.

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