LETRAMENTO: VOCÊ PRATICA?
Cyntia Santuchi Peixoto (FAFIA)
Eliane Bisi da Silva (FAFIA)
Ivan Batista da Silva (FAFIA)
Luciano Dutra Ferreira (FAFIA)
Não
é novidade que o Brasil ainda enfrenta insistentemente o problema do
analfabetismo, tanto de crianças que saem da escola e de outros que não tiveram
a oportunidade de se apropriarem do saber da leitura e escrita. É fato que o
nosso país possui um número significativo de indivíduos que não adquiriram o
saber necessário para atender às exigências de uma sociedade letrada. De acordo
com informações (MEC/INEP, 2001) cerca de 980.000 crianças na 4ª série do
ensino fundamental não sabem ler, e mais de 1.600 são capazes de ler apenas
frases simples. Recentemente, a Rede Globo, através do Programa semanal
“Fantástico”, fez uma pesquisa intitulada “Provão do Fantástico” aplicada em 27
capitais brasileiras (somente em escolas públicas), e avaliou que mais da
metade dos alunos não é capaz de responder a questões que requerem raciocínio e
60% só conseguem identificar informações muito simples. Esses, seriam apenas
mais alguns dados para pessoas comuns, mas é algo extremamente alarmante para o
educador. É neste ponto que entra a grande questão da intervenção do educador e
a inclusão da prática geradora do letramento.
Letramento
onde, como e por que foi criado este termo?
O
vocábulo é um tanto quanto fora do comum para muitos profissionais da área da
educação e, principalmente, para os acadêmicos desse setor. Há alguns anos,
pode-se dizer que menos de vinte, esse vocábulo surgiu entre os lingüistas e
estudiosos da língua portuguesa, e então passou a ter veiculação no setor
educacional.
Constatou-se
que uma das primeiras menções feitas deste termo ocorreu em No mundo da
escrita: uma perspectiva psicolingüística (1986) por Mary A. Kato, segundo
Magda Soares (2003: 15). A mesma registra, nesta obra, que foram feitas
buscas em dicionários da língua portuguesa quanto ao significado da palavra, no
dicionário Aurélio, por exemplo, nada foi encontrado, bem como também,
não foi encontrado o verbo “letrar”, porém, o Dicionário Contemporâneo da
Língua Portuguesa de Caldas Aulete, com edição constando de mais de um
século, contém o verbete com o simples significado de “escrita”. Ela ressalta,
ainda, que no mesmo dicionário esse vocábulo é classificado como “antiquado”.
Ora, logo, este termo caiu em desuso há bastante tempo em nossa língua. Então,
por que este termo tem sido utilizado agora com certa freqüência nos campos
educacionais e lingüísticos?
Devemos
esclarecer que esse vocábulo não tem sido usado, atualmente, com a denotação
supracitada. O termo se originou de uma versão feita da palavra da língua
inglesa “literacy”, com a representação etimológica de estado, condição,
ou qualidade de ser literate, e literate é definido como educado,
especialmente, para ler e escrever.
Nos
dicionários da língua portuguesa o termo alfabetizado diz respeito ao indivíduo
que somente aprendeu a ler e escrever, não se diz que é o que adquiriu o estado
ou condição de quem se apossou da leitura e da escrita, e que responde de
maneira satisfatória as demandas das práticas sociais. Ainda, ampliando a
abrangência da alfabetização, podemos analisá-la à medida que esta reproduz a “formação
social existente, ou como um conjunto de práticas culturais que promove a
mudança emancipadora” (DONALDO, 1990: 10).
Leda
Verdiani Tfouni, em “Letramento e alfabetização” (1995), afirma que a alfabetização,
por muitas vezes, está sendo mal entendida:
Há
duas formas segundo as quais comumente se entende a alfabetização: ou como um
processo de aquisição individual de habilidades requeridas para a leitura e
escrita, ou como um processo de representação de objetos diversos, de naturezas
diferentes. O mal-entendido que parece estar na base da primeira perspectiva é
que a alfabetização é algo que chega a um fim, e pode, portanto, ser descrita
sob a forma de objetivos instrucionais. Como processo que é parece-me antes que
o que caracteriza a alfabetização é a sua incompletude.
Com
isso, fica subentendido, pelo aspecto sociointeracionista, que a alfabetização
do individuo, é algo que nunca será alcançado por completo, não há um ponto
final. A realidade é que existe a extensão e a amplitude da alfabetização no
educando, no que diz respeito às práticas sociais que envolvem a leitura e a
escrita. Neste âmbito, muitos estudiosos discutem a necessidade de se transpor
os rígidos conceitos estabelecidos sobre a alfabetização, e assim, considerá-la
como a relação entre os educandos e o mundo, pois, este está em constante
processo de transformação. E o indivíduo para não ser atropelado e
marginalizado pelas mudanças sociais deverá acompanhar, através da atualização
individual, o processo que levará ao crescimento e desenvolvimento. Não que o
educando não tenha qualquer saber antes da alfabetização, pelo contrário,
sabemos que todo indivíduo possui, de alguma forma, níveis de conhecimento. E,
isto, foi muito bem discorrido por Paulo Freire:
O
ato de ler e escrever deve começar a partir de uma compreensão muito abrangente
do ato de ler o mundo, coisa que os seres humanos fazem antes de ler a palavra.
Até mesmo historicamente, os seres humanos primeiro mudaram o mundo, depois
revelaram o mundo e a seguir escreveram as palavras.
Esse
é um ponto de suma importância para aqueles que pretendem despojar-se dos
restritos, e incisivos, conceitos em que a alfabetização é estabelecida em
termos mecânicos e funcionais.
Mas,
afinal, por que e para que surgiu o que se denominou letramento?
Por
todo o tempo em que já vivemos como uma sociedade grafocêntrica, têm-se
conhecimento sobre a problemática da falta do saber ler e escrever. Com isso,
gerou-se uma crescente preocupação em desenvolver um controle sobre essa
questão, através de muitos estudos e ações com o objetivo de erradicar o
problema, logo, foi preciso criar um termo e fazê-lo conhecido no campo da
pesquisa, surgindo o “analfabetismo”. Mas, observou-se que para o estado / condição
daquele que sabe ler e escrever, e, que responde de maneira ampla e
satisfatória as demandas sociais fazendo uso de alguma maneira da leitura e
escrita, ainda não havia uma denominação. Mais tarde, isso se fez necessário
devido à constatação de uma nova situação: de que não basta apenas o saber ler
e escrever, necessário é saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder
às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz. Então, o nome letramento
surgiu mediante a esta nova constatação.
Quando
fatos “novos” são constatados, ou surgem novas idéias à respeito de fenômenos,
depara-se com a necessidade de se criar novos vocábulos ou nomes para se tratar
com determinados assuntos (SOARES, 2003). Ou seja, freqüentes mudanças sociais
geram novas demandas sociais de uso da leitura e da escrita, logo, gerando
novos termos específicos.
O
letramento é um fenômeno de cunho social, e salienta as características
sócio-históricas ao se adquirir um sistema de escrita por um grupo social. Ele
é o resultado da ação de ensinar e/ou de aprender a ler e escrever, e denota
estado ou condição em que um indivíduo ou sociedade obtém como resultado de
ter-se “apoderado” de um sistema de grafia.
Letramento e alfabetização
- onde está a diferença?
A
alfabetização, como já mencionamos, se ocupa da aquisição da escrita por um
indivíduo, ou grupo. Enquanto o letramento “focaliza os aspectos
sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade”
(TFOUNI, 1995), e ainda, é o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e
escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. Um
exemplo do que acabamos de mencionar (SOARES, 2003: 56-57):
Analfabetismo
no primeiro mundo? (...) quando os jornais noticiam a preocupação com altos
níveis de ‘analfabetismo’ em países como os Estados Unidos, a França, a
Inglaterra; surpreendente porque: como podem ter altos níveis de analfabetismo
países em que a escolaridade básica é realmente obrigatória e, portanto,
praticamente toda a população conclui o ensino fundamental (que, nos países
citados, tem duração maior que a do nosso ensino fundamental - 10 anos nos
Estados Unidos e na França, 11 anos na Inglaterra). É que, quando a nossa mídia
traduz para o português a preocupação desses países, traduz illiteracy (inglês)
e illetrisme (francês) por analfabetismo. Na verdade, não existe analfabetismo
nesses países, isto é, o número de pessoas que não sabem ler ou escrever
aproxima-se de zero; a preocupação, pois, não é com os níveis de analfabetismo,
mas com os níveis de letramento, com a dificuldade que adultos e jovens revelam
para fazer uso adequado da leitura e da escrita: sabem ler e escrever, mas
enfrentam dificuldades para escrever um ofício, preencher um formulário,
registrar a candidatura a um emprego - os níveis de letramento é que são
baixos.
O
exemplo acima são verificações feitas fora do Brasil, mas demonstra claramente
as diferenças entre os dois processos acima citados, inclusive, as diferenças
que há em avaliar níveis de letramento e níveis de alfabetização. Apesar da
constatação de que os critérios de avaliação deles não se assemelham muito aos
nossos quanto à alfabetização, é satisfatório saber também, que já existem
mudanças consideráveis em nossos parâmetros, e, o que se observa é que isso tem
gerado mudanças sociais e culturais, e por que não dizer, históricas?
Ainda
quanto às diferenças entre letramento e alfabetização é necessário alertar que,
estes dois processos estão diretamente ligados, contudo, devemos separá-los
quanto ao seu abarcamento, devido as suas distinções já mencionadas
anteriormente. Há verificações de que a concepção de alfabetização também
reflete diretamente no processo de letramento. Por outro lado, o que também se
observa é que, com freqüência, estes dois de maneira confusa têm sido fundidos
como um só processo. Essa confusão implica no exercício de um e de outro. Pois,
onde entra a alfabetização? E o letramento? Ou, se trabalham os dois
simultaneamente?
Se
afirmamos que a alfabetização é algo que não tem um ponto final, então dizemos
que ela tem um continuum, e ainda, poderíamos dizer que este é o
letramento. Com isto, acordamos que os dois processos andam de mãos dadas. Não
queremos estabelecer uma ordem, ou seqüência, pois já defendemos que todo tipo
de indivíduo possui algum grau de letramento, mesmo que seja mínimo. O que
pretendemos é incentivar o educador a fazer uso do conhecimento nato de mundo
que o educando possui e sua relação com a língua escrita, assim ele poderá
alfabetizar letrando.
Ao
saber de algumas distinções básicas destes dois termos poderíamos, também,
levantar questões sobre as desigualdades de alfabetizado para letrado. Uma nota
no livro “Letramento: um tema em três gêneros” de Magda Soares (2003:
47) faz um apanhado, sobre o assunto, visto de uma maneira prática e real. O texto exemplifica como um adulto pode até
ser analfabeto, contudo, pode ser letrado, ou seja, ele não
aprendeu a ler e escrever, todavia, utiliza a escrita para escrever uma carta
através de um outro indivíduo alfabetizado, um escriba, mas é necessário
enfatizar que é o próprio analfabeto que dita o seu texto, logo, ele lança mão
de todos os recursos necessários da língua para se comunicar, mesmo que tudo
seja carregado de suas particularidades. Ele demonstra com isso que conhece, de
alguma forma, as estruturas e funções da escrita. O mesmo faz quando pede para
alguém ler alguma carta que recebeu, ou texto que contém informações
importantes para ele: seja uma notícia em um jornal; itinerário de transportes;
placas; sinalizações diversas. Este indivíduo é analfabeto, não possui a
tecnologia da decodificação dos signos, mas, ele possui um certo grau de
letramento devido a sua experiência de vida em uma sociedade que é atravessada
pela escrita, logo, este é letrado, porém não com plenitude. Esse exemplo nos
remete a outro, muito conhecido, que talvez não tenha sido percebido por quem
assistiu, é a personagem de Fernanda Montenegro no filme “Central do Brasil” de
Walter Salles, que fez uso de sua capacidade de ler e escrever uma profissão, a
de “escriba”, já quase desconhecida, em que a personagem escrevia
correspondências para pessoas analfabetas em troca de dinheiro. Os indivíduos
que a usavam como ferramenta para se envolver em uma prática social, a de se
corresponder, mesmo que indiretamente, utilizavam os códigos da escrita. E, de
forma peculiar a sua condição eles demonstram possuir características de grupos
letrados.
Ainda na nota de Magda Soares
(2003: 47) eles também exemplificam o caso de uma criança que mesmo antes de
estar em contato com a escolarização, e que não saiba ainda ler e escrever,
porém, tem contato com livros, revistas, ouve histórias lidas por pessoas
alfabetizadas, presencia a prática de leitura, ou de escrita, e a partir daí
também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação, criando seus próprios
textos “lidos”, ela também pode ser considerada letrada. E ainda, há casos de
indivíduos com variados níveis de escolarização e alfabetização que apresentam
níveis baixíssimos de letramento, alguns “quase” nenhum. Estes, são capazes de
ler e escrever, contudo, não possuem habilidades para práticas que envolvem a
leitura e a escrita: não lêem revistas, jornais, informativos, manuais de
instrução, livros diversos, receita do médico, bulas de remédios, ou seja,
apresentam grandes dificuldades para interpretar textos lidos, como também
podem não ser capazes de sequer escrever uma carta ou bilhete. Todavia,
gostaríamos de destacar que nessa nota acima mencionada diz também que esse
tipo de indivíduo pode ser uma pessoa alfabetizada, mas não é letrada; neste
ponto divergimos, por acreditarmos que a possibilidade de uma pessoa possuir
grau zero de letramento não exista, em se tratando deste viver em uma sociedade
grafocêntrica.
Com
tudo isso, há pelo menos uma constatação: existem diferentes tipos e níveis de
letramento, e estão eles ligados às necessidades e exigências de uma sociedade
e de cada indivíduo no seu meio social.
Sociedade
letrada/iletrada
- indivíduo letrado/iletrado
Há
uma definição única e restrita quanto ao conceito de sociedade
letrada/iletrada, bem como indivíduo letrado/iletrado?
Os
dicionários da língua portuguesa definem os vocábulos letrado e iletrado,
por exemplo, no dicionário Aurélio o verbete letrado é definido como
“que ou quem é versado em letras; erudito”. No entanto, iletrado “que ou
quem não tem conhecimentos literários; analfabeto ou quase”. Mediante essas
definições percebemos que esses adjetivos não tem relação com o sentido do
letramento, pelo qual estamos tratando. Os termos que, normalmente, são
abordados em trabalhos sobre o letramento não se assemelham ao dos dicionários,
e ainda, também poderíamos considerá-los como novos vocábulos.
Vimos, anteriormente, que devemos
analisar bem antes de aplicar o termo letrado, e principalmente, iletrado. No
nosso ponto de vista, que necessariamente, é o mesmo da autora, do livro “Letramento
e Alfabetização”, de Leda Verdiani Tfouni, o termo “iletrado”, bem como
“iletramento” é impraticável, no que diz respeito à sociedades tecnologizadas.
Ela registra em sua obra algumas passagens de Ginszburg (1987), dentre elas a
história de um homem que viveu no séc. XVI chamado Menocchio que foi
perseguido, torturado, e condenado à morte porque suas idéias foram
consideradas ofensivas e cheias de heresias. Ele pertencia à classe subalterna,
mas sabia ler e escrever, o que não era muito comum naquela época. Comenta a
autora que Menochio não foi condenado apenas por saber ler e escrever, mas sim,
porque fazia suas próprias interpretações dos textos bíblicos e da religião,
como também particularizou a releitura dos mesmos textos com “materialismo
elementar, instintivo, das gerações de camponeses”, foi isto o que fomentou uma
sumária perseguição por parte da Inquisição. Achavam eles que, só os
eclesiásticos católicos detinham o poder de interpretação da Bíblia Sagrada.
Ele, assim, foi considerado perigoso por que entendeu que quem tivesse a
capacidade de domínio e transmissão da cultura escrita teria o poder. A
lingüista comenta que essa história demonstra como o termo “letrado” não pode ter
um sentido único.
A
partir disso, é que a autora conclui e propõe que não deve ser usado o termo
“iletrado”, para dizer que um indivíduo não está num estado pleno de
letramento. Afinal, não seria adequado a utilização do mesmo em uma sociedade
considerada moderna e/ou industrializada, centrada na escrita, pois a
possibilidade de existir indivíduos que não possuem nem um grau sequer de
letramento é quase impossível. Por isso, acredita-se que é inconveniente
afirmar que existe “nível zero” de letramento, não há veracidade nessa
afirmação. Então, o que se propõe é o uso de termos próprios, do tipo: níveis
ou graus de letramento. Levando assim, em consideração o que Paulo Freire muitas vezes insistiu em sua
pedagogia “de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, e ainda, “o
ato de aprender a ler e escrever deve começar a partir de uma compreensão muito
abrangente do ato de ler o mundo, coisa que os seres humanos fazem antes de ler
a palavra”. Isso quer dizer que o indivíduo não é um depósito vazio e zerado
antes da alfabetização, e ali, nós, educadores, estaremos enchendo-o com
informações mecânicas e institucionais, através de uma escolarização. Ele já
possui sua peculiar capacidade de leitura dentro do seu contexto social para
sobreviver em meio ao grupo em que vive. A alfabetização com a prática do
letramento, trará ao indivíduo capacidades, competências, habilidades diversas
para que este se envolva com as variadas demandas sociais de leitura e escrita.
O papel do educador no letramento
como “professor-letrador”
Paulo
Freire afirma que para o educador, o ato de aprender “é construir, reconstruir,
constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do
espírito”. Esta constatação não está relacionada somente ao educando, pois sabemos
que o educador tem que estar sempre adquirindo novos aprendizados, lançando-se
a novos saberes, e isto, resulta em mudanças de vários aspectos, como também,
gera o enriquecimento tanto para o educador quanto para o educando, que com
certeza lucrará com esse desenvolvimento. Então, necessário é que o educador
atente-se para aquilo que é sumariamente importante na sua formação, ou seja, “o
momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática”, e, “quanto
mais inquieta for uma pedagogia, mais crítica ela se tornará” (FREIRE,
1990). O mesmo afirma que a pedagogia se tornará crítica se for investigativa e
menos certa de certezas, pois o ato de educar não é uma doação de conhecimento
do professor aos educandos, nem transmissão de idéias, mesmo que estas sejam
consideradas muito boas. Ao contrário, é uma contribuição no “processo de
humanização”. Processo este de fundamental papel no exercício de educador que
acredita na construção de saberes e de conhecimentos para o desenvolvimento
humano, e que para isso se torna um instrumento de cooperação para o
crescimento dos seus educandos, levando-os a criar seus próprios conceitos e
conhecimento.
O
profissional de educação deve ser capaz de fazer sua interferência na
realidade, o que certamente, gerará novos conhecimentos, e isto, é bem mais
elevado do que simplesmente se enquadrar na mesma. Já mencionamos por várias
vezes que o letramento é um fenômeno social; logo, essa intervenção que se faz
necessária pode ser proporcionada por ele.
O
letramento não está restrito ao sistema escolar, mas vamos neste trabalho nos ater
nesse meio por considerar que cabe à escola, fundamentalmente, levar os seus
educandos a um processo mais profundo nas práticas sociais que envolvem a
leitura e a escrita. Saber ler e escrever um montante de palavras não é o
bastante para capacitar o indivíduo para a leitura diversificada, neste ponto
entendemos que surge a necessidade de se letrar os sujeitos envolvidos no
processo de aprendizagem.
Para
o educador se tornar um “professor-letrador” necessário se faz que,
primeiramente, obtenha informações a respeito do tema, as suas dimensões e,
sobretudo, a sua aplicação. Essa última é desenvolvida através de pesquisas e
investigação, que geram subsídios-suportes.
Entretanto,
medrar subsídios para educadores é uma tarefa difícil de ser exercida, pois
sabemos que alguns desses profissionais, num determinado momento, se colocam em
uma posição quase inatingível, completos de suas certezas. Porém, se há
mutações contínuas na sociedade contemporânea, e essas refletem em todos os
setores, inclusive na escola, é lógico que a cristalização dos saberes do
educador é um equívoco, pois o conhecimento nunca se completa, ou se finda, e o
letramento é um exemplo claro disso.
Reconhecidamente,
enfatizamos a importância da aplicação, ou a prática do letramento por parte do
professor, e em análise, ainda não finalizada, destacamos alguns passos
fundamentais para o desempenho do papel do “professor-letrador”:
1)
investigar as práticas sociais que fazem parte do cotidiano do aluno,
adequando-as à sala de aula e aos conteúdos a serem trabalhados;
2)
planejar suas ações visando ensinar para que serve a linguagem escrita e como o
aluno poderá utilizá-la;
3)
desenvolver no aluno, através da leitura, interpretação e produção de
diferentes gêneros de textos, habilidades de leitura e escrita que funcionem
dentro da sociedade;
4)
incentivar o aluno a praticar socialmente a leitura e a escrita, de forma
criativa, descobridora, crítica, autônoma e ativa, já que a linguagem é interação
e, como tal, requer a participação transformadora dos sujeitos sociais que a
utilizam;
5)
recognição, por parte do professor, implicando assim o reconhecimento daquilo
que o educando já possui de conhecimento empírico, e respeitar, acima de tudo,
esse conhecimento;
6)
não ser julgativo, mas desenvolver uma metodologia avaliativa com certa
sensibilidade, atentando-se para a pluralidade de vozes, a variedade de
discursos e linguagens diferentes;
7)
avaliar de forma individual, levando em consideração as peculiaridades de cada
indivíduo;
8)
trabalhar a percepção de seu próprio valor e promover a auto-estima e a alegria
de conviver e cooperar;
9)
ativar mais do que o intelecto em um ambiente de aprendizagem, ser
professor-aprendiz tanto quanto os seus educandos; e
10)
reconhecer a importância do letramento, e abandonar os métodos de aprendizado
repetitivo, baseados na descontextualização.
Contudo,
as insuficiências do sistema escolar na formação de indivíduos absolutamente
letrados não sucedem somente pelo fato de o “professor não ser um
representante pleno da cultura letrada, nem das falhas num currículo que não
instrumentaliza o professor para o ensino” (KLEIMAN, 1995: 47), pois essas
falhas são mais enraizadas, porque são produtos do modelo imposto pelo sistema
padrão de ensino.
Quando
nos dermos conta de que o processo natural de desenvolvimento do ser humano é
massacrado pela escola, e por suas equivocadas práticas de ensino, seremos
aptos a promover o letramento.
Na
intenção de compreender os caminhos percorridos (ou perdidos) para a
transformação da escolarização, e analisando especificamente o recorte
investigado neste trabalho, somos levados a considerar a hipótese de que o
despreparo e desinformação dos profissionais e, ainda, os acadêmicos da área de
educação promovem a distância entre a assimilação prática e conceitual do
letramento.
De
qualquer forma, o que nos interessa no âmbito a que nos propusemos neste
trabalho, é de informar descritivamente sobre o letramento quanto a etimologia,
o seu surgimento e as suas diversificadas práticas sociais. Como também o seu
abarcamento, suas dimensões e o mais intrigante, como estar desenvolvendo-o na
sala de aula, pois o preparo dos educadores proporcionará alterações no ensino
/ aprendizagem dos educandos e desenvolverá o letramento de ambos os
envolvidos. De certo, sabemos que o processo é lento devido a situação atual do
sistema escolar e da formação profissional do professor, mas reais
possibilidades têm-se mostrado como verdadeiras mudanças educacionais.
Subsidiar
seria uma pretensão, mas este trabalho visa dar um suporte para os educadores
que desejam reconstruir suas propostas pedagógicas, informando-se para gerar
conhecimento crítico e analítico quanto às atividades do letramento versus
a pedagogia mecânica e institucional por tanto tempo praticada em nossas
escolas. Pretende ainda, reformular e construir a compreensão acerca das bases
teóricas da aprendizagem. Possibilitar a esses uma reflexão sobre a visão de
mundo e de alfabetização, para que incorporem uma nova educação para crianças,
jovens e adultos. Com isso, gerarão pessoas com capacidades múltiplas de
interação com a sociedade, promovendo novas formas de relações no processo do
letramento, pois esse abre caminho para o indivíduo estabelecer conhecimentos
do mundo em que vive.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo; DONALDO,
Macedo. Alfabetização: leitura da palavra leitura do mundo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1990.
KATO, Mary A. No mundo
da escrita: uma perspectiva psicolingüística. 7ª ed. São Paulo: Ática, 1999.
KLEIMAN, Ângela B. Os
significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da
escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.
SILVA, José Pereira da.
Filologia é o estudo da língua na literatura. A visão de J. Mattoso Câmara Jr. In:
América Latina y lo Clásico. Santiago de Chile: Universidad
Metropolitana de Ciencias de la
Educación - Facultad de Historia, Geografía y Letras, 2003,
tomo II, p. 619-629.
SOARES, Magda. Letramento:
um tema em três gêneros. 2ªed. 6ª reimpr. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento
e alfabetização. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2004.