Linguagem: O que é e seu papel na humanidade
Alfredina Nery
Você
sabe o que é linguagem? Qual sua importância na sociedade? Sem linguagem,
pode-se dizer, o homem não é humano. Para exemplificar isso, leia a história de
duas meninas que foram criadas por lobos:
Meninas
Lobas
Na
Índia, onde os casos de meninos lobos foram relativamente numerosos,
descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma
família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais
tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Pouco tinham de humano, e
o seu comportamento era semelhante àquele dos seus irmãos lobos. Elas
caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os pequenos
trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos.
Eram
incapazes de permanecer em pé.
Só se alimentavam de carne crua ou podre, comiam e bebiam
como os animais, lançando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na
instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas
numa sombra; eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando
como lobos. Nunca choravam ou riam.
Kamala
viveu oito anos na instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela
necessitou de seis anos para aprender a andar e pouco antes de morrer só tinha
um vocabulário de 50 palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos.
Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou
lentamente às pessoas que cuidaram dela e às outras com as quais conviveu. A
sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros por gestos inicialmente
e, depois por palavras de um vocabulário rudimentar, apreendendo a executar
ordens simples.
As
meninas Kamala e Amala foram abandonadas e viveram em isolamento — o que foi
muito comum numa certa época na Índia, devido aos problemas sociais e
econômicos de ampla maioria da população. A situação de viver com os lobos, se,
por um lado, salvou-as da morte, de outro, as desumanizou, no sentido de que
tinham não só deficiências nos sentidos e nos movimentos do corpo, mas tinham,
principalmente, dificuldade nas relações com as pessoas e com o ambiente.
Humanidade e linguagem
A
história de Kamala e Amala exemplifica como várias de nossas capacidades
(algumas das quais mesmo tidas como "naturais" ao homem, como
caminhar de pé) só são desenvolvidas graças ao contato com outros seres
humanos. Pelo fato de as duas meninas terem vivido com lobos, não aprenderam a
falar, a usar objetos culturais (utensílios, por exemplo) e a desenvolver o
pensamento lógico. O desenvolvimento humano e o pensamento estão
inter-relacionados com a linguagem.
Realizar
tarefas do cotidiano, planejar ações futuras e pensar sobre acontecimentos do
passado são atos humanos constituídos pela linguagem e na linguagem.
Emocionar-se ao ler um poema, identificar-se com uma personagem de ficção,
gostar das cores e formas de uma pintura, fechar os olhos e retomar lembranças
a partir da audição de uma música são atos humanos atravessados pela linguagem.
Neste
sentido, é possível afirmar que nos tornamos humanos na convivência social, por
meio da qual não apenas sobrevivemos fisicamente (satisfação da fome, abrigo,
integridade física), mas também, psicologicamente, o que significa, proteção,
segurança, afeto, conhecimentos etc. É no mundo da cultura que interagimos com
o outro, construímos nossa identidade pessoal, social e desenvolvemos a
linguagem.
Enfim,
a linguagem como interação pressupõe construção entre sujeitos que agem, por
meio da própria linguagem. Você sabia que a palavra "texto", na sua
origem está relacionada à ideia de tessitura ou tecido? Pensando em tudo que
leu até aqui, analise o desenho a seguir, procurando compará-lo com a concepção
de linguagem como interação social.
Ilustração:
Joseph Russafa
O
novelo pode ser comparado à situação de comunicação entre as pessoas e seu
repertório linguístico?
O
tecido sendo tricotado pode ser a materialização do conceito de
"texto"? A expressão "blábláblá" também pode representar
uma conversa? Algumas vezes, até "conversa mole", a depender da
situação, não é?
Os
sinais semicurvos nas extremidades das duas agulhas lembram sinais gráficos das
histórias em quadrinhos, não é mesmo? Eles parecem dar movimento ao desenho, o
que também pode apontar para a ideia de que um texto é negociação de sentidos
entre as pessoas, em determinada situação de linguagem. Não há significação sem
contexto, porque esse também constrói os sentidos.
Relação entre linguagem, significação e contexto
E o ponto de intersecção entre as duas agulhas? O que estaria indicando ele? Possivelmente, um ponto de contato entre as pessoas que estão na situação de linguagem, mas também lembram duas espadas em luta, o que pode indicar ideias em disputas. Há, assim, uma "arena" das palavras, no jogo social, confirmando as relações entre linguagem e poder.
E o ponto de intersecção entre as duas agulhas? O que estaria indicando ele? Possivelmente, um ponto de contato entre as pessoas que estão na situação de linguagem, mas também lembram duas espadas em luta, o que pode indicar ideias em disputas. Há, assim, uma "arena" das palavras, no jogo social, confirmando as relações entre linguagem e poder.
Você
acredita que as palavras têm o mesmo significado, independente do lugar e das
pessoas que as usam? Pense numa pessoa vestida de determinada maneira.
Imagine-a inteira. Quem é ela? Como está vestida? Por que está vestida assim?
Qual é o lugar em que ela está? Em que momento/tempo? Bem, sabemos que pessoas,
em circunstâncias diferentes, usam roupas a depender da situação, não é mesmo?
Sabemos que se vai à praia de maiô, mas não se vai trabalhar no escritório
dessa forma. Seria inadequado, certo?
Interação entre sujeitos
Com a linguagem acontece algo bem parecido. Usamos a linguagem de forma diferente a depender de certas situações. Falamos de forma mais descontraída numa roda de amigos, na nossa casa, mas, num ambiente mais formal, numa entrevista para emprego, por exemplo, procuramos falar de forma mais elegante, para impressionar, para mostrar que estamos aptos para trabalhar, etc.
Com a linguagem acontece algo bem parecido. Usamos a linguagem de forma diferente a depender de certas situações. Falamos de forma mais descontraída numa roda de amigos, na nossa casa, mas, num ambiente mais formal, numa entrevista para emprego, por exemplo, procuramos falar de forma mais elegante, para impressionar, para mostrar que estamos aptos para trabalhar, etc.
Podemos
afirmar que as palavras em situações diferentes, adquirem significados
diversos. Assim também o significado de um texto está para além de suas formas,
está também no contexto: na situação de comunicação e na relação dos
interlocutores (quem fala e quem ouve; quem escreve e quem lê), ou seja, na
interação entre as pessoas.
Enfim,
a linguagem não é apenas comunicação ou suporte de pensamento, é,
principalmente, interação entre sujeitos. A linguagem é uma produção social não
inocente, nem neutra, nem natural. A linguagem é lugar de negociação de
sentidos, de ideologia, de conflito, e as condições de produção de um texto
(para quê, o quê, onde, quem/ com quem, quando, como) constituem seus sentidos,
para além de sua matéria formal -palavras, linhas, cores, formas, símbolos.
Alfredina Nery - Professora universitária, consultora pedagógica e
docente de cursos de formação continuada para professores na área de língua,
linguagem e leitura.