EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR SOB A
PERSPECTIVA LEGAL.
Larissa Maciel Gonçalves Silva
Universidade Federal de Uberlândia
larissa.maciel.silva@terra.com.br
Atender as diferentes necessidades
dos alunos matriculados na rede pública de ensino de forma responsável é,
certamente, um dos maiores desafios que a escola tem de enfrentar
atualmente, uma vez que o paradigma de uma
educação inclusiva vem alcançando um espaço significativo no cenário da
educação mundial.
Estamos
neste contexto vivendo um processo de discussões amplas sobre
uma Política Nacional de Educação Especial, que reflete um momento
em que ao mesmo tempo em que constatamos o fenômeno da
globalização se estendendo para todas as esferas da
sociedade, observamos que as minorias alcançaram
visibilidade e reconhecimento. Isto se deve ao fato de que nesses
últimos anos, a sociedade vem sofrendo inúmeras
modificações. Valores e formas de conceber homem e
o mundo passaram por alterações significativas. Há um movimento de transição
transpondo a ideia de conceber a realidade de forma homogeneizada e
normatizada/normalizada, para um movimento mais complexo, um
movimento de defesa da diferença e da heterogeneidade. Ao
revermos a história da humanidade, constatamos que as pessoas deficientes sempre estiveram
segregadas, nas mais variadas épocas.
Segundo Kirk e Galagher (1996), podem ser reconhecidos
quatro estágios de desenvolvimento das atitudes em relação
às deficiências. Primeiramente, na era pré cristã,
tendia-se a negligenciar e a maltratar os deficientes.
Na Antiguidade, por não corresponderem aos padrões estéticos, muitos
deficientes foram abandonados ou eliminados.
Num segundo momento, com a difusão do
cristianismo, na Idade Média, a deficiência viveu momentos
ambivalentes. Em determinados momentos eram considerados
criaturas divinas, portanto não poderiam ser desprezadas ou abandonadas por
possuírem alma. Mas, em outros momentos, representavam forças malignas e, por isso,
deveriam ser eliminadas. Esta época foi marcada por atitudes paradoxais entre
a proteção e a eliminação, sobressaindo a visão do maspecto
sobrenatural. No século XVI houve um redimensionamento da
visão com relação à deficiência, passando da abordagem moral
para a abordagem médica. O modelo de análise
da deficiência era o da doença. As pessoas que
apresentavam alguma anormalidade eram tratadas, numa perspectiva de
cura. Mesmo havendo uma mudança no modo de conceber a deficiência, essa
mudança não foi suficiente para provocar alterações
na forma de agir diante dela. Os diferentes
continuaram abandonados à própria sorte, isolados e com pouca
atenção do governo e dos familiares.
Já não se pode, justificadamente, delegar à
divindade o cuidado de suas criaturas deficitárias, nem se
pode, em nome da fé e da moral, levá-las à fogueira . Não há mais
lugar para a irresponsabilidade social e política, diante da deficiência
mental, mas ao mesmo tempo, não há vantagens para o poder público,
para o comodismo da família, em assumir atarefa ingrata e dispendiosa em educa-lo.
A opção intermediária é a segregação; não se pune, nem se abandona, mas também
não se sobrecarrega o governo e a família com sua incômoda presença. (PESSOTTI,
1984, p. 24). Assim, optam pela prática asilar, abrigando em leprosários e
hospitais toda pessoa considerada diferente. Os hospícios
isolavam todos os sujeitos considerados anormais,
mantendo o controle social. Isso pelo fato da sociedade, na época, se
sentir incomodada com a presença do diferente, do que fugia às regras, aos
padrões vigentes. Entre os séculos XVIII e XIX, foram fundadas instituições
para lhes oferecer uma educação a parte. Assim, surge
uma nova modalidade de ensino – educação especial,
fruto de ações isoladas dos profissionais envolvidos na área médica. O caso, mundialmente
conhecido, do “Selvagem de Aveyron”, representou uma
importante contribuição para visualizar uma educação voltada ao deficiente.
Isto se deve ao fato da elaboração, pelo médico francês Itard (1774 –
1838), do primeiro programa sistemático de educação especial. Mas estas
instituições apresentavam um caráter mais assistencial, com práticas
clínicas do que uma perspectiva educacional.
De acordo com Januzzi (1985), o movimento
em prol da educação especial no Brasil se refletiu na criação por parte de D.
Pedro II, do Imperial Instituto dos Meninos Cegos (atual IBC), em 1854, e
do Imperial Instituto de Surdos mudos (atual INES), em1857, que
funcionam até hoje. A autora ressalta ainda
que, a preocupação com a educação das pessoas
diferentes iniciou no final do Império e início da República, quando
os ideais liberais começaram a ser discutidos e consolidados. Todavia, mesmo assim,
as instituições foram incipientes e só foram fortalecidas na
segunda metade do século XX. A desinstitucionalização e a educação
escolar do deficiente tiveram início apenas no século XX.
As propostas na educação especial se
baseavam em duas vertentes: médicopedagógica e a psicopedagógica. A primeira
caracteriza-se pela preocupação higienizadora, refletindo na instalação de
escolas em hospitais e, promovendo maior segregação de atendimentos aos
deficientes. (JANNUZZI, 1992; MENDES, 1995).
A vertente psicopedagógica caminhava em
defesa da educação dos “anormais”, buscando identificar essas pessoas por meio
de escalas psicológicas e escalas de inteligência para serem selecionados nas
escolas especiais. Mesmo visando a educação do deficiente, esta vertente também
se revelou segregadora, dando origem as classes especiais. (JANNUZZI, 1992).
Após a proclamação da República, em 1889,
ocorreram mudanças políticas,
econômicas e sociais que interferiram no
cenário da educação brasileira. Com o fim da primeira guerra mundial (1914-1918),o
Brasil viveu um início de desenvolvimento industrial, necessitando de mão de obra
especializada, sendo suprida, na maioria, por imigrantes (JANNUZZI, 1992;
MENDES, 1995).
Entre as décadas de 20 e 30 o ensino
primário se expandiu e se popularizou. Assim, como também, o movimento da
Escola Nova começou a concretizar-se no Brasil. Este movimento, preocupado em
reduzir as desigualdades sociais, incorporava em suas metodologias pedagógicas
ações baseadas nas concepções de profissionais que trabalhavam com deficientes,
como por exemplo, Decroly e Montessori. (JANNUZZI,1992; MENDES, 1995).
Assim, várias reformas educacionais foram
implementadas, segundo os princípios da Escola Nova, influenciando os rumos da
Educação Especial Brasileira. Contudo, mesmo o movimento da Escola Nova defender
a diminuição da desigualdade social, ela acabou contribuindo para a exclusão do
deficiente das escolas regulares, pois enfatizava o estudo das características
individuais, propondo um adequado e especializado ensino para aqueles alunos
que não atendiam às exigências da escola regular.
No Brasil, até a década de 40 não havia
uma preocupação no panorama da educação nacional com as crianças deficientes.
As reformas estavam voltadas para a educação do indivíduo normal. Tanto que na
década de 50 ocorria uma considerável expansão das classes e escolas especiais,
assim como a criação de instituições filantrópicas, com a fundação da
Associação de Pais e Amigos do Excepcional – APAE (1954).
Os anos 60 foram marcados por várias
iniciativas implementadas na área da educação especial, refletindo num aumento
considerável de serviços de ensino especial. A partir do final dos anos 1960, e
de modo mais destacado nos anos 1970, as reformas educacionais alcançaram a
área de educação especial sob a égide dos discursos da normalização e da
integração. A educação especial constou como área prioritária nos planos
setoriais de educação, após a Emenda constitucional de 1978 e a Lei nº.
5692/71, de reforma do 1º e 2º graus, e foi contemplada com a edição de normas
e planos políticos de âmbito nacional: as definições do Conselho Federal de
Educação sobre a educação escolar dos excepcionais, as resoluções dos Conselhos
Estaduais de Educação sobre diretrizes de educação especial, a criação dos
setores de educação especial nos sistemas de ensino, a criação das carreiras
especializadas em educação especial na educação escolar (os professores dos
excepcionais) e também no campo de reabilitação (a constituição das equipes de
reabilitação/ educação especial). (FERREIRA, 2006, p. 87)
Mendes (1995) acredita que o crescimento
dos serviços de educação especial tenha influenciado o estabelecimento de leis
e serviços técnicoadministrativos, visando o desenvolvimento do ensino especial
no Brasil. A exemplo disto, temos a Lei nº. 4.020/61 que apresentava dois
artigos referentes ao atendimento educacional especial.
Na década de 70, a Lei nº. 5.692/71 também
traz referências a educação dos alunos considerados especiais. Toda expansão
das escolas e classes especiais que ocorreram, representou para o ensino
regular, uma “carta na manga”, no intuito de responder a sua inadequação e seu fracasso
frente às necessidades dos seus alunos. As classes especiais serviam como um depósito
que excluíam das escolas comuns os alunos que estariam fracassando em seus estudos.
O início do século XX também foi marcado por críticas à segregação e a exclusão
das pessoas que apresentavam alguma deficiência. Neste sentido, pais e parentes
dos deficientes começaram a lutar por melhores condições de vida para aqueles que
apresentavam alguma “anormalidade”, requerendo a garantia de seus direitos. A partir
daí, o princípio de “normalização” isto é, a adequação da pessoa com
deficiência à sociedade, foi defendido por muitos teóricos. Mas, mesmo havendo
uma defesa em prol da participação do deficiente na sociedade, tendo sua
cidadania respeitada, os deficientes continuavam atendidos de forma
assistencial, predominando a hegemonia médicaclínica.
As primeiras décadas do século XX foram
marcadas por duas grandes guerras mundiais, que deixaram como sequela centenas
de pessoas mutiladas. E, por decorrência destas guerras, a deficiência
permaneceu como um problema exclusivo da área médica.
E após a organização de alguns movimentos
sociais, ocorridos na primeira metade do século XX, a sociedade foi pressionada
a repensar seus valores e suas práticas voltadas para as pessoas que
apresentavam deficiência.
A partir da década de 1970, alguns
estudiosos, baseados na ideia da modificabilidade cognitiva , acreditaram no
potencial de aprendizagem da pessoa com deficiência. Havendo assim, uma mudança
de paradigma, não mais baseada na segregação do aluno em instituição especializada,
mas sim, na ideia de uma educação integrada, fundamentada na possibilidade de
que as escolas regulares possam inserir os alunos que apresentam necessidades
especiais nas salas comuns. Promovendo assim uma intensificação em torno da
discussão sobre a integração/inclusão das crianças que apresentam necessidades
educacionais especiais no sistema regular de ensino. O conceito de
integração/inclusão só chega ao Brasil, segundo Miranda (2003), na década de
1970, e opunha-se aos modelos de segregação e defendia a ideia de possibilitar,
às pessoas que apresentavam deficiência, condições de vida o mais normal possível,
assemelhando-se com a de todas as pessoas consideradas normais. Assim as propostas
de definição das políticas públicas da década de 1980 foram norteadas pelos princípios
da normalização e da integração.
A década de 1980 foi marcada pela promoção
de muitos encontros e congressos internacionais no intuito de mobilizar os
países a reestruturarem suas políticas em prol da inserção dos deficientes na
esfera social. E o ano de 1981 constitui-se um marco para os deficientes de
todo o mundo, pois a Organização das Nações Unidas ONU o proclamou como o Ano
Internacional das Pessoas Deficientes, tendo como lema “Participação Plena e
Igualdade”.
E então, a partir dos encontros
internacionais, sobre a defesa dos direitos das pessoas com necessidades
especiais, o Brasil passou a incorporar em seus dispositivos legais garantias
de atendimento a essas pessoas. O marco mais importante em se tratando da
legislação brasileira é a Constituição de 1988, quando o Brasil saía de um regime
militar, que se traduziu por atitudes autoritárias, e neste fim de regime
militar, a Constituição vêm garantindo a democracia e os direitos dos cidadãos,
inclusive o direito à educação. A Constituição Federal elegeu como fundamentos
da república a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc.II e
III), e como um dos seus objetivos fundamentais a promoção do bem de todos, sem
preconceito de origem, raça, cor, sexo, idade ou quaisquer outras formas de
discriminação. Garante ainda, expressamente, em seu artigo 205 a educação como
direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, sem preconceito
de origem, raça, cor, sexo, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
Estabelece ainda, em seu artigo 206, inciso I, como um dos princípios para o
ensino, a igualdade de condições de acesso e permanência na escola. E em seu artigo
208, garante como dever do Estado a oferta do atendimento educacional especializado,
estabelecendo ainda a integração escolar enquanto preceito constitucional,
preconizando o atendimento às pessoas com deficiência, preferencialmente, na
rede regular de ensino. Acrescentando ainda neste artigo 208, em seu inciso V
que ‘o dever do Estado com a educação será efetivado mediante garantia de
acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um. ’ Sendo sua citação retomada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente datada de 1990 (Inciso III do art. 54). Dessa forma,
toda escola, reconhecida como tal pelos órgãos legais, deve atender aos
princípios constitucionais, não podendo, portanto excluir nenhuma pessoa em
razão de sua raça, cor sexo, origem ou deficiência.
A Constituição Federal ao se reportar aos
alunos com deficiência faz uso do termo ‘portadores de deficiência’, no
contexto de 1988 as discussões se davam nestes termos e essa população com
deficiência promoveu grande influência no Congresso quando da elaboração da Constituição
para conseguirem a garantia em lei de seus direitos. Este era o referencial
teórico e político então esboçado na Constituição. Além disso, a Constituição
nos traz também o termo ‘atendimento educacional especializado’,se
referindo ao atendimento aos ‘portadores de deficiência’ ‘preferencialmente’
nas na rede regular de ensino, em seu artigo 208.
Ao garantir a educação para todos, nossa
Constituição Federal está se referindo a todos mesmo, em um mesmo ambiente, e
este pode e deve ser o mais diversificado possível, como forma de atingir o
pleno desenvolvimento humano e o preparo para a cidadania (art. 205,CF).
No Brasil, a partir da década de 1980 e
início dos anos 1990, questões acerca dos direitos legais dos deficientes levaram
pais e as pessoas que apresentam necessidades especiais a se organizarem em
torno da garantia dos direitos conquistados, reivindicando o cumprimento dos
mesmos. Neste cenário, mesmo com a garantia em Constituição da igualdade de
direitos e de condições de acesso e permanência na escola, como o caso do
Brasil, surgiram convenções e tratados internacionais reafirmando o direito de
todos os seres humanos à igualdade, enfatizando a proibição de discriminação em
virtude de raça, religião, sexo e deficiência. Esses documentos trouxeram significativos
avanços para a garantia do direito destes cidadãos.
O termo será utilizado para referir as pessoas que
apresentam limitações mentais, físicas ou sensoriais.